Bem-Estar Digital: Os filtros de IA realmente nos “Melhoram”?

Este artigo explora o conceito de bem-estar digital, destacando os impactos dos media sintéticos, como filtros de IA, na saúde física e mental dos jovens.

Felipe Aristimuño

12/9/20246 min ler

TikTok Video Goes Viral for Calling Out Unrealistic Filters “...and this is my face in real life.” D
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Uma questão urgente na educação para os media é o impacto dos media na nossa saúde, especialmente no que diz respeito aos conteúdos gerados ou alterados por inteligência artificial (IA), como filtros ou ferramentas que podem modificar drasticamente a nossa aparência. É fundamental refletirmos sobre os efeitos dessas aplicações, ponderando tanto seus benefícios quanto os impactos negativos na nossa saúde física e mental. Nesse contexto, o conceito de “bem-estar digital” ganha destaque, tornando-se particularmente relevante para os jovens.

Neste artigo, exploramos o conceito de bem-estar digital, analisando suas diversas facetas e propondo um conjunto de melhores-práticas, no sentido de desenvolvermos uma relação saudável e equilibrada com os media sintéticos. A discussão tem como ponto de partida a pesquisa realizada pela organização não-governamental britânica Internet Matters e o seu Índice de Bem-Estar Digital.

O que é Bem-Estar Digital?

O bem-estar digital refere-se ao estado de felicidade, saúde e segurança no ambiente digital, abrangendo diferentes dimensões das nossas interações com os media. Em 2021, a Internet Matters lançou o seu primeiro Índice de Bem-Estar Digital, com o objetivo de medir o impacto da tecnologia digital no bem-estar dos usuários de redes sociais. Desenvolvido em colaboração com a Universidade de Leicester e a Revealing Reality, o índice visa fornecer uma ferramenta para acompanhar a evolução do bem-estar digital de crianças e jovens ao longo do tempo.

Esse conceito inclui o bem-estar de desenvolvimento, relacionado à capacidade de adquirir novas competências, praticar o pensamento crítico e gerir as atividades online de forma eficaz; o bem-estar emocional, que diz respeito às respostas emocionais a experiências online, como alegria, conexão, ansiedade ou tristeza; o bem-estar físico, que considera os impactos da tecnologia digital na saúde, incluindo padrões de sono, níveis de atividade física e bem-estar geral; e o bem-estar social, ligado à qualidade das relações estabelecidas online, à capacidade de se conectar com os outros e ao senso de pertença em comunidades digitais.

O Paradoxo dos media sintéticos: oportunidades e desafios

As pesquisas da Internet Matters revelam uma interação complexa entre os aspectos positivos e negativos do envolvimento digital, principalmente quando envolvem manipulação da aparência por IA. Os resultados enfatizam consistentemente que, embora as plataformas online ofereçam oportunidades para autoexpressão, conexão e aprendizagem, também impõem desafios à autenticidade, pertencimento e segurança.

As redes sociais, com sua ênfase no conteúdo visual, frequentemente pressionam os usuários a apresentar versões idealizadas de si mesmos. O uso generalizado de filtros e efeitos complica ainda mais a noção de autenticidade, levantando preocupações sobre a imagem corporal distorcida e a autoestima.

No âmbito social, plataformas de criação e compartilhamento de media, como TikTok e YouTube, oferecem imenso potencial para conectar indivíduos com interesses semelhantes e fomentar um senso de pertencimento por meio da criatividade coletiva. No entanto, a busca constante por visualizações, "likes" e comentários pode alimentar um sentimento de pressão social e desejo de validação, impactando a autoestima e levando a comparações prejudiciais.

Boas práticas com os media para
Promover o Bem-Estar Digital: uma responsabilidade compartilhada

Promover o bem-estar digital é um esforço multifacetado que exige a colaboração de indivíduos, pais, educadores, decisores políticos, criadores de conteúdo e fornecedores de plataformas. Para empoderar os indivíduos, especialmente os jovens, na construção de relações positivas com a tecnologia, podemos (enquanto pais e professores) adotar uma série de práticas que ajudam a criar um ambiente mais saudável e equilibrado no uso dos media.

• Estabelecer Limites: Exemplos como o da Escola Secundária de Miraflores, em Portugal, que desde 2023 vem limitando o uso de dispositivos móveis durante os recreios, demonstram a eficácia de políticas que favorecem a saúde digital, física e mental. Estabelecer limites claros para o tempo de ecrã e o uso de redes sociais, seja para estudar, jogar ou resolver questões quotidianas, ajuda a promover o equilíbrio. Mesmo com boas intenções, é frequentemente mais saudável resolver problemas sem recorrer aos media na escola.

• Ser Consciente: É fundamental prestar atenção ao impacto emocional das interações digitais nos nossos filhos e alunos. Muitas vezes, sinais de desconforto nas redes sociais podem ser pedidos silenciosos de ajuda, e reconhecer essas emoções pode ser um passo importante para ajustarmos o comportamento dos jovens (e o nosso) online. Ser consciente de como o uso dos media afeta a saúde mental ajuda os jovens a refletirem sobre suas experiências e a ajustarem o seu uso de acordo com o seu bem-estar. Incentivar uma prática de mindfulness digital, em que se reflete sobre o momento presente e a maneira como se interage com a tecnologia, pode ser uma estratégia eficaz para promover uma relação mais saudável com os media.

• Cultivar Conexões Offline: Embora os meios digitais proporcionem oportunidades para a conexão, a interação humana presencial continua a ser essencial para o bem-estar. Desde os primórdios da humanidade, a comunicação face a face tem sido a base das relações interpessoais. Priorizar encontros offline e participar de atividades que promovam o contato físico e emocional ajudam a criar um senso de comunidade e a fortalecer as relações reais. Estimular essas interações fora do ambiente virtual promove uma sensação de completude e bem-estar que os media digitais muitas vezes não conseguem oferecer.

• Procurar Apoio: Em um mundo cada vez mais conectado, os estímulos digitais podem causar dependência ou, pelo menos, condicionar negativamente o comportamento. Se alguém estiver enfrentando desafios relacionados ao uso excessivo dos media, como vícios em jogos ou redes sociais, é fundamental procurar ajuda profissional. Consultar um especialista em saúde mental, bem como envolver a família e amigos no processo de apoio, pode ser um caminho para superar essas dificuldades.

Projeto E-ARTi: Como ser uma bússola em territórios digitais desconhecidos?

O Projeto E-ARTi, liderado pelo investigador Felipe Aristimuño na Universidade de Lisboa, é um exemplo de como a tecnologia pode ser alavancada para a criatividade e a conscientização social. Em um cenário onde os media sintéticos, como os deepfakes e a clonagem de voz, são frequentemente associados a perigos, desinformação e manipulação, o projeto propõe uma abordagem distinta, enxergando essas ferramentas não apenas como instrumentos de engano, mas como possibilidades para a expressão artística e crítica.

Através do Currículo E-ARTi, o projeto busca envolver estudantes e educadores em reflexões profundas sobre as tecnologias de inteligência artificial, incentivando o uso dessas ferramentas de forma ética e criativa. O currículo oferece uma abordagem preparatória, permitindo que os participantes não apenas compreendam a IA, mas também se tornem criadores e ativistas no campo da arte e dos media contemporâneos.

O E-ARTi visa empoderar os indivíduos a criar e compartilhar obras de arte com media sintéticos, promovendo o ativismo visual, incentivando uma participação ativa e consciente na cultura contemporânea. Ao cultivar uma vivência digital mais inclusiva, o projeto tensiona contribuir para formar cidadãos capazes de navegar de maneira responsável em um mundo mediático em constante evolução.

Conclusão: Rumo a um Futuro Digital Próspero

O bem-estar digital é uma jornada contínua que exige adaptação constante da sociedade às novas realidades dos media sintéticos gerados por inteligência artificial. À medida que a IA se integra cada vez mais à vida quotidiana, é essencial repensarmos os paradigmas educacionais para refletir essas transformações, com um foco particular na saúde e no bem-estar digital. O Referencial da Educação para os Media, ferramenta chave para a formação de jovens críticos e conscientes, deve ser expandido para abordar o impacto emocional, social e físico do uso das tecnologias.

Uma educação para os media e para a cultura visual precisa ir além do ensino de competências digitais e do consumo crítico dos media, incluindo práticas que incentivem a criação de obras de arte e conteúdos digitais. Integrar temas de bem-estar digital nas escolas não só prepara os alunos para navegar de forma saudável no mundo digital, mas também os capacita a enfrentar os desafios trazidos pelas tecnologias como os media sintéticos. O Projeto E-ARTi, por exemplo, demonstra como as tecnologias digitais podem ser usadas como ferramentas de empoderamento e ativismo visual, ao mesmo tempo em que provocam uma reflexão sobre o impacto delas em nossas vidas.

Para isso, o Referencial da Educação para os Media e a educação para a cultura visual devem ser desenvolvidos de forma coordenada entre educadores, pais, plataformas digitais, criadores de conteúdo e governo. Todos têm um papel essencial na criação de um ambiente digital salubre. Ao incorporar questões de saúde e bem-estar digital, o currículo escolar pode equipar professores e aluno com as habilidades necessárias para interagir com as tecnologias, compreendendo e reagindo ao impacto delas na saúde mental, emocional e social.

Neste sentido, um futuro digital sustentável depende não apenas de uma tecnologia mais responsável, mas de um sistema educacional que prepare as novas gerações para se adaptar e prosperar neste novo contexto. Atualizar o Referencial da Educação para os Media é um passo fundamental nesse processo, garantindo que a formação de cidadãos críticos, criativos e bem-informados acompanhe os desafios e as oportunidades do mundo contemporâneo. A construção de um ambiente digital saudável é uma responsabilidade coletiva, que deve ser sustentada por uma educação contínua e atualizada, para que possamos criar juntos espaços digitais mais inclusivos.

Links para as pesquisas publicadas pela Internet Matters:

  1. Unfiltered research report - Authenticity, belonging and connection in young people’s digital wellbeing
    https://www.internetmatters.org/hub/research/unfiltered-report-2024/

  2. Children’s Wellbeing in a Digital World - Our digital wellbeing research for 2024

    https://www.internetmatters.org/hub/research/childrens-wellbeing-in-a-digital-world-index-report-2024/